A Bíblia ocupa o centro do culto, pois é através dela que Deus nos fala. Calvino afirmou: "... a função peculiar do Espírito Santo consiste em gravar a Lei de Deus em nossos corações" [1]. A Igreja é a "escola de Deus" [2]. O Espírito é o "Mestre" [3] (o “Mestre interior”)[4]. Para progredir nessa escola, “...devemos antes renunciar nosso próprio entendimento e nossa própria vontade” [5].
A pregação não deve ser rejeitada (lTs 5:19-21); deve ser entendida como a Palavra de Deus para nós; recusá-la é o mesmo que rejeitar o Espírito (cf. lTs 4:8). Como há falsos pregadores e falsos mestres, é necessário "provar" o que está sendo proclamado para ver se o seu conteúdo se coaduna com a Palavra de Deus (At 17: 11-12/ I Jo. 4: 1-6). No entanto, os homens querem ouvir mais o reflexo de seus desejos e pensamentos, a homologação de suas práticas. Assim, a palavra, que deveria ser profética, tende com freqüência a se tornar apenas apetecível ao "público-alvo", aos seus valores e devaneios, ou, então, nós, pregadores, somos tentados a usar a "eloqüência" para compartilhar generalidades da semana, sempre, é claro, com uma alusão bíblica aqui ou ali, para justificar a "pregação" [6].
O fato é que uma geração incrédula é sempre crítica para com a palavra profética. Marvin Vincent estava certo ao declarar: "A demanda gera o suprimento. Os ouvintes convidam e moldam seus pregadores. Se as pessoas desejam um bezerro para adorar, o ministro que fabrica bezerros logo é encontrado" [7]. É preciso atenção redobrada para não cair nessa armadilha, uma vez que não é difícil confundir os efeitos de uma mensagem com o conteúdo do que anunciamos: a pregação deve ser avaliada pelo seu conteúdo, não pelos resultados. Esse assunto está ligado à vertente relacionada ao crescimento de Igreja. Iain Murray está correto ao afirmar:
o crescimento espiritual na graça de Cristo vem em primeiro lugar. Onde esse crescimento é menosprezado em troca da busca de resultados, pode haver sucesso, mas será de pouca duração e, no final, diminuirá a eficácia genuína da Igreja. A dependência de número de membros ou a preocupação com números freqüentemente tem se confirmado como uma armadilha para a Igreja.[8]
A confusão entre conteúdo e resultado é fácil de ser feita porque, como acentua John MacArthur Jr.: "O pregador que traz a mensagem que mais necessitam ouvir é aquele que eles menos gostam de ouvir".[9] Portanto, a popularidade pode, em muitos casos, ser um atestado da infidelidade do pregador na transmissão da voz profética. Lembremo-nos: "Toda a tarefa do ministro fiel gira em torno da Palavra de Deus - guardá-la, estudá-la e proclamá-la".[10] E: "Ninguém pode pregar com poder sobrenatural, se não pregar a Palavra de Deus".[11] Quanto mais confiarmos no poder de Deus operante através da Palavra, menos estaremos dispostos a confiar em nossa suposta capacidade. A Palavra que pregamos jamais será ineficaz no seu propósito.[12]
O pregador não "compartilha" opiniões nem dá "opiniões" sobre o texto bíblico, nem faz paráfrase irreverente do texto. O objetivo é expressar o que Deus disse sob a iluminação do Espírito. Pregar é explicar e aplicar a Palavra aos ouvintes. O aval de Deus não é sobre nossas teorias e escolhas, nem sobre a "graça" de piadas, mas sobre sua Palavra. Portanto, o pregador prega o texto, de onde provém a verdade de Deus para o seu povo. "Quando nos propomos a expor um texto, precisamos declarar exatamente o que o texto afirma".[13]
Quando Cristo retomar, certamente ele não se interessará por nossa escola homilética ou se fomos "progressistas" ou "conservadores", mas sim se fomos fiéis à Palavra em nossa vida e pregação. Devemos estar sinceramente atentos ao que o Espírito diz à Igreja através da Palavra. Isto é válido para quem ouve e para quem prega.
Outra verdade que precisa ser ressaltada é que apesar de muitos de nós não sermos "grandes" pregadores ou existirem pregadores infiéis, Deus fala. Por isso, há a responsabilidade de ambos os lados: quem prega, pregue a Palavra; quem ouve, ouça com discernimento a Palavra do Espírito de Deus.
A pregação foi o meio deliberadamente escolhido por Deus para transformar pessoas e edificar seu povo, preservando a sã doutrina através da Igreja, que é o baluarte da verdade.
Autor. Rev. Hermisten Maia Pereira da Costa
Fonte: Fundamentos da teologia reformada, pg. 139-142, Editora Mundo Cristão. Compre este maravilhoso livro em www.mundocristão.com.br
[1] O livro dos Salmos, vol.2, p228.
[2] As Pastorais, p. 136; O profeta Daniel:1- 6, vol. 1, p.190.
[3] Exposição de Romanos, p. 58.
[4] As institutas, III 1.4; III. 2. 34; IV. 14. 9.
[5] Exposição de I Coríntios. P. 100.
[6] Veja D Martyn Lloyd-Jones, As insondáveis riquezas de Cristo, p. 52
[7] Word studies in the New Testament, vol. 4, p. 321.
[8] “A igreja crescimento e sucesso”, em fé para hoje,n°6, 2000
[9]Com vergonha do evangelho,p. 35. Packer faz uma pergunta inquietante: “Costumamos lamentar, hoje em dia, que os ministros não sabem pregar; mas não é igualmente verdadeiro que nossas congregações sabem ouvir?”(entre os gigantes de Deus: Uma visão puritana da vida cristã, p. 275).
[10] John F. MacArthur Jr., Com vergonha do evangelho, p. 29.
[11] Idem, p. 30.
[12] Veja Bryan Chapell, Pregação cristocêntrica, p. 22.
[13] Kenneth A. Macrae, “ A pregação e o perigo do comprometimento”, em: Fé para hoje, n° 7, p. 4.
1.9 Autoridade e Suficiência das Escrituras – Origem, Testemunho e nossa prática.
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Um dos princípios sustentado pela Reforma Protestante do Século 16 foi a afirmação da suficiência das Escrituras (Sola Scriptura significa Somente as Escrituras, em latim). Com isso, os Reformadores enfatizaram que somente a Bíblia é a única autoridade infalível dentro da Igreja: Somente as Escrituras são incondicionalmente autoritativas.
Um dos problemas fundamentais entre os cristãos do século 20/21, está na não aceitação teórica (confessional) e prática (vivencial) da Bíblia como Palavra autoritativa, inerrante e infalível de Deus. Uma visão relapsa deste ponto determina o fracasso teológico e espiritual da Igreja.
Este desvio teológico, acerca destas doutrinas, tem contribuído de forma acentuada, para que os homens não mãos discirnam a palavra de Deus e, por isso, não possam gozar da sua operação eficaz levada a efeito pelo Espírito (Cf. 1Ts 2.13 compare com Jo17.17), caindo assim, na “rampa escorregadia” da negação de outras doutrinas. Vejamos, então, alguns aspectos concernentes à autoridade das Escrituras.
1. A Suficiência das Escrituras: Sua Origem
Deus é o Autor da Escrituras. Mesmo a Bíblia sendo registrada por homens, falando do pecado do homem, descrevendo a desobediência circunstancial de seus autores secundários, ela é prioritariamente um livro divino.
Paulo diz que “toda Escritura é inspirada por Deus” (2 Tm 3.16), indicando a sua procedência: toda a Escritura Sarada é soprada, exalada por Deus. Esta Palavra não foi apenas entregue aos homens, mas foi preservada por Deus; Deus preservou ao seu registro e quanto à sua conservação.
Warfield (1851-1921), comentando o texto de 2 Timóteo 3.16, diz: “Numa palavra, o que se declara nesta passagem fundamental é, simplesmente, que as Escrituras são um produto divino, sem qualquer indicação da maneira como Deus operou para as produzir. Não se poderia escolher nenhuma outra expressão que afirmasse, com maior saliência, a produção divina das Escrituras, como esta o faz. 9.(...) Paulo (...) afirma com toda a energia possível, que as Escrituras são o produto de uma operação especificamente divina.”¹
Com isto, estamos dizendo que o Deus que se revelou, esteve “expirando” os homens que ele mesmo separou para registrarem esta revelação. A inspiração bíblica garante que seja registrado de forma veraz aquilo que a inspiração profética fazia com respeito à palavra do profeta, para que ela correspondesse literalmente À mente de Deus; em outras palavras: a Palavra escrita é tão fidedigna quando a Palavra falada pelos profetas; ambas foram inspiradas por Deus.
2. A Suficiência do Testemunho das Escrituras
A Bíblia autentica-se a si mesma como o registro inspirado e inerrante da revelação de Deus. Deus ordenou que a sua palavra fosse escrita (Ex 17.14), sendo chamado este registro de “Livro do Senhor” (Is 34.16). Analisemos este ponto substanciando-o com alguns dos muitos textos bíblicos que fundamentam a nossa afirmação:
A. Os Profetas
1) Os profetas são descritos como aqueles dos quais Deus fala (Ex 7.1; Dt 18.15,18; Jr 1.9; 7.1). O Profeta não criava nem adaptava a mensagem; a ele competia transmiti-la como havia recebido (Ex 4.30; Dt 4.2,5). O que se exige do Profeta é fidelidade.
2)Os Profetas tinham consciência de que foram chamados por Deus (1 Sm 3; Is 6; Jr 1; Ez 1-3); receberam a mensagem da parte de Deus (Nm 23.5; Dt 18.18; Jr 1.9; 5.14), que era distinta dos seus próprios pensamentos (Nm 16.28; 24.13; 1 Rs 12.33; Ne 6.8). Os falsos profetas eram acusados justamente de proferirem as suas próprias palavras e não as de Deus (Jr 14.14; 23.16; 29.9; Ez 13.2,3,6).
3) Quando os profetas se dirigiam ao povo, diziam: “Assim diz o Senhor...”, “Ouvi a Palavra do Senhor...”. “Veio a Palavra do Senhor” (Cf. Ez 31.1; Os 1.1; Jl 1.1; Am 1.3; 2.1; Ob 1.1; Mq 1.1; Jr 27.1; 30.1,4, etc.); isto indicava a certeza que tinham de que Deus lhes dera a mensagem e os enviara (Cf. Jr 20.7-9; Ez 3.4ss, 17,22; 37.1; Am 3.8; Jn 1.2).
4) um fato importante a favor da sinceridade dos profetas de Deus, é que nem sempre eles entendiam a mensagem transmitida (Cf. Dn 12.8,9; Zc 1.9; 4.4; 1 Pe 1.10,11).
B. Os apóstolos
Os escritores do Novo Testamento reconheciam ser o Antigo Testamento a Palavra de Deus (Hb 1.1; 3.7), sendo a “Escritura” um registro fiel da história e da vontade de Deus (Rm 4.3; 9.17; Gl 3.8; 4.30).
Os Apóstolos falavam com a convicção de que estavam pregando e ensinado a Palavra inspirada de Deus, dirigidos pelo Espírito Santo (Vd. 1 Co 2.4-13; 7.10; 14.37; 2 Co 13.2,3; Gl 1.6-9; Cl 4.16; 1 Ts 2.13; 2 Ts 3.14)
Paulo e Pedro colocavam os Escritos do Novo testamento no mesmo nível do Antigo Testamento (Cf. 1 Tm 5.18 compara com Dt 25.4; Lc 10.7; 2 Pe 3.16).
Paulo reconheceu os apóstolos e os profetas, no mesmo nível, como os fundamentos da Igreja, edificados sobre Jesus Cristo, a pedra angular (Ef 2.20)
C. Jesus Cristo
Jesus apela para o Antigo Testamento, considerando-o como a expressão fiel do Conselho de Deus, sendo a verdade final e decisória. Deus é o autor das Escrituras (Mt 4.4,7, 10; 11.10; 15.4; 19.4; 21.16,42; 22.29; Mt 105-9; 12.24; Lc 19.46; 24.25-27; 44-47; Jo 10.34).
D. Afirmações diretas das Escrituras
O Novo Testamento declara enfaticamente que toda a Escritura, como Palavra de Deus, é inspirada, inerrante e infalível (Vd. Mt 5.18; Lc 16.17, 29, 31; Jo 10.35; At 1.16; 4.24-26; 28.25; Rm 15.4; 2 Tm 3.16; Hb 1.1,2; 3.7-11; 10.15-17; 2 Pe 1.20).
A Bíblia fornece argumentos racionais que demonstram a sua inspiração e inerrância, todavia, os homens só poderão ter esta convicção mediante o testemunho interno do Espírito Santo (Sal 119.118).² Os discípulos de Cristo, só entenderam as Escrituras, quando o próprio Jesus lhes abriu o entendimento (Lc 24.45). A Escritura autentica-se a si mesma e nós a recebemos pelo Espírito.³
A Igreja sustenta a total rendição às reivindicações proféticas, apostólicas e do próprio Cristo. Diante de um testemunho tão evidente, como poderia eu descartá-lo e seguir as opiniões fantasiosas de homens? O cristão sincero deve aprender, pelo Espírito de Deus, a subordinar a sua inteligência à sabedoria de Deus revelada nas Escrituras e a guardar no coração a Palavra de Deus (Sl 119.11)
3. A Suficiência das Escrituras e a Evangelização
No ato evangelizador da Igreja, ela prega a palavra de Deus conforme a ordem divina expressa nas Escrituras; fala da salvação eterna oferecida por Cristo, conforme as Escrituras proclama as perfeições de Deus, conforme as Escrituras... Ora, se a Igreja não tem certeza da fidedignidade do que ensina, como então, poderá testemunhar de forma honesta?
Uma Igreja que não aceite a inspiração e a inerrância bíblica, não poderá ser uma igreja missionária. Como poderemos pregar a palavra se não estivermos confiantes do sentido exato do que está sendo dito? Como evangelizar se nós mesmos não temos certeza, se o que falamos procede da Palavra de Deus ou, está embasado numa falácia? Paulo dá testemunho de que a Escritura é fiel; por isso, ele a ensinava com autoridade (1 Tm 1.15; 4.9 compare com 2 Tm 4.6-8).
Satanás objetando esmorecer o ímpeto evangelístico da Igreja, tem usado deste artifício: minar a doutrina da inspiração e inerrância das Escrituras, a fim de que a Igreja perca a compreensão de sua própria natureza e, assim, substitua a pregação evangélica por discursos éticos, políticos e propaganda pessoal. Aliás, A Escritura sempre foi um dos alvos prediletos de Satanás (Vd. Gn 3.1-5; Mt 4.3,6,8,9; 2 Co 4.3,4). Entretanto, a Igreja é chamada a proclamar com firmeza o Evangelho, conforme registrado na Bíblia e preservado pelo Espírito através dos séculos (2 Tm 4.2).
A Igreja prega o Evangelho, consciente de que ele é o poder de Deus para salvação do pecador (Rm 1.16); por isso, recusar o Evangelho significa rejeitar o próprio Deus que nos fala (1 Ts 4.8). Calvino, comentado Romanos 1.16, diz que aqueles que “se retraem de ouvir a Palavra proclamada estão premeditadamente rejeitando o poder de Deus e repelindo de si a mão divina que pode libertá-los.” [4] A Igreja proclama a Palavra, não as suas opiniões a respeito da Palavra, consciente que Deus age através das Escrituras, produzindo frutos de vida eterna (Rm 10.8-17; 1 Co 1.21; 1 Co 15.11; Cl 1.3-6; 1 Ts 2.13,14). A Igreja por si só não produz vida, todavia ela recebeu a vida em Cristo (Jo 10.10), através da sua Palavra vivificadora; deste modo, ela ensina a Palavra, para que pelo Espírito de Cristo, que atua mediante as Escrituras, os homens creiam e recebam vida abundante e eterna.
Conclusão
Nós somos herdeiros dos princípios bíblicos da Reforma; para nós, como para os Reformadores, a Palavra de Deus é a fonte autoritativa de Deus para o nosso pensar, crer sentir e agir: A Palavra de Deus é-nos suficiente.
Quando Satanás tentou a Jesus durante os seus 40 dias de jejum e oração no deserto, dizendo: “Se és Filho de Deus, manda que estas pedras se transforme em pães” (Mt 4.3), Jesus Cristo, recorrendo ao Livro de Deuteronômio, capítulo 8, verso 3, respondeu: “ Não só de pão viverá o homem, mas de toda a palavra que procede de Deus” (Mt 4.4). Notemos que esta afirmação torna-se ainda mais dramática se consideramos o fato de que Jesus estava à beira da inanição, sendo induzido a pensar que caso não comesse imediatamente poderia morrer.
Nestas palavras, não temos um contraste entre o espiritual e o físico, antes; há uma demonstração categórica, feita por Cristo, de que devemos ter me mente que a nossa sustentação, em todos os sentidos, provém de Deus: Somos sustentados pela Palavra de Deus. O mesmo Espírito que nos regenerou através da Palavra (Tg 1.18; 1Pe 1.23), age mediante esta mesma Palavra, para que vivamos, de fato, como novas criaturas que somos. A Bíblia é o instrumento eficaz do Espírito, porque ela foi inspirada pelo Espírito Santo (2Pe 1.21).
Jesus orou ao Pai para que ele nos santificasse na Verdade, que é a sua Palavra. Meus irmãos, se quisermos crescer espiritualmente temos de recorrer à Palavra vivificada de Cristo; somente ela pode nos tornar sábios para a Salvação mediante a fé depositada unicamente em Jesus Cristo (2 Tm 3.15). Com este propósito ela foi-nos concedida (Rm 15.4).
Você aceita a autoridade das Escrituras? Quando sua opinião sobre determinado tema é uma e a posição da Bíblia é outra, com qual você fica?
Nota:
¹B.B.WARFIELD, The Inspiration of the Bíble: In: The Works of Benjamin B. Warfield, Grande Rapids, Michigan, Baker Book House, 1981, Vol. I, p. 79.
² Vd. J. Calvino, Exposição de Romanos, São Paulo, Paracletos, 199 (Rm 8.16), p. 279.
³ Vd. J. Calvino, As Institutas São Paulo, Casa Presbiteriana, 1985, I;7.4-5 e I.8.13
[4] J. Calvino, Exposição de Romanos, (Rm 1.16), p. 58.
Autor: Rev. Hermisten Maia Pereira da Costa
Fonte: Revista Palavra Viva – Graça e Fé, lição 04 - Sola Scriptura, pg 13-16, Editora Cultura Cristã. Compre esta excelente revista trimestral em www.cep.org.br
1.10 Paradoxo, Mistério e ContradiçãoMt 13.11; Mt 16.25; Rm 16.25-27; 1 Co 2.7; 1 Co 14.33
A influência de vários movimentos em nossa cultura, tais como a Nova Era, as religiões orientais e a filosofia irracional tem provocado uma crise no entendimento. Uma nova forma de misticismo tem surgido, a qual exalta o absurdo como a marca registrada da verdade religiosa. Lembremo-nos da máxima do Zen Budismo, de que "Deus é uma mão batendo palmas" como uma ilustração desse padrão.
Dizer que Deus é uma mão batendo palmas tem uma ressonância profunda. Tal afirmação confunde a mente consciente, pois é um golpe nos padrões normais de pensamento. Soa "profundo" e intrigante, até analisarmos cuidadosamente e descobrirmos que na raiz é simplesmente destituída de sentido.
A irracionalidade é um tipo de caos mental. Fundamenta-se na confusão que se opões ao Autor de toda a verdade, o qual não é de forma alguma autor de confusão.
A irracionalidade é um tipo de caos mental. Fundamenta-se na confusão que se opões ao Autor de toda a verdade, o qual não é de forma alguma autor de confusão.
O Cristianismo bíblico é vulnerável a tais correntes de irracionalidade exaltada, porque irracionalidade admite candidamente que existem muitos paradoxos e mistérios na própria Bíblia. Existem linhas que separam o paradoxo, o mistério e a contradição; embora sejam tênues, essas linhas divisórias são cruciais e é importante que aprendamos a distingui-las.
Quando tentamos perscrutar as profundezas de Deus, somos facilmente confundidos. Nenhum mortal pode compreender a Deus exaustivamente. A Bíblia revela coisas sobre Deus que sabemos serem verdadeiras, a despeito da nossa incapacidade de entendê-las totalmente. Não temos um ponto de referência humano para entender, por exemplo, um ser que é três em termos de pessoa, mas um só em essência (a Trindade), ou um ser que é uma pessoa com duas naturezas distintas, humana e divina (a pessoa de Cristo). Essas verdades, tão certas, como são, são "elevadas" demais para podermos compreendê-las.
Encontramos problemas similares no mundo natural. Sabemos que a força da gravidade existe, mas não a entendemos e nem tentamos defini-la como irracional ou contraditória. A maioria das pessoas concorda que o movimento é uma parte integrante da realidade, embora a essência do movimento em si tenha deixado filósofos e cientistas perplexos por milênios. Isso, porém, não justifica um salto no absurdo. A irracionalidade é fatal tanto para a religião como para a ciência. De fato, ela é mortal para qualquer verdade.
O filósofo cristão Gordon H. Clark certa vez definiu um paradoxo como "uma cãibra entre as orelhas’. Seu comentário espirituoso destina-se a destacar que aquilo que às vezes é chamado de paradoxo frequentemente nada mais é do que preguiça mental. Clark, entretanto, reconhecia claramente o papel legítimo e a função do paradoxo. A palavra paradoxo vem de uma raiz grega que significa "parecer ou aparentar". Paradoxos são difíceis de entender porque à primeira vista "parecem" contradições, mas quando são sujeitos a um exame minucioso, frequentemente pode-se encontrar as soluções. Por exemplo, Jesus disse: "Quem perde a vida por minha causa achá-la-á" (Mt.10.39). Aparentemente, isso soa semelhante à declaração de que "Deus é uma mão batendo palmas". Soa como vida em um sentido, irá encontrá-la em outro sentido. Já que a perda e a salvação têm sentidos diferentes, não há contradição. Eu sou pai e filho ao mesmo tempo, mas obviamente não há contradição. Eu sou pai e filho ao mesmo tempo, mas obviamente não no mesmo relacionamento com a mesma pessoa.
O termo paradoxo é frequentemente mal-interpretado como sendo sinônimo de contradição; agora, inclusive, aparece em alguns dicionários como um significado secundário desse termo. Uma contradição é uma afirmação que viola a lei clássica da não contradição. A Lei da não-contradição declara que A não pode ser A e não-A ao mesmo tempo e no mesmo contexto. Quer dizer, algo não pode ser o que é e não ser o que é ao mesmo tempo e no mesmo contexto. Essa é a mais fundamental de todas as leis da lógica.
Ninguém pode entender uma contradição, porque uma contradição é inerentemente incompreensível. Nem mesmo Deus pode entender contradições; entretanto, certamente ele pode reconhecê-las pelo que são – falsidades. A palavra contradição vem do latim "falar contra". Às vezes é chamada uma antinomia, que significa "contra a lei". Para Deus, falar em contradições seria ser intelectualmente anormal, falar com uma língua bipartida. Até mesmo insinuar que o Autor da verdade poderia cair em contradição seria um grande insulto e uma blasfêmia irresponsável. A contradição é a arma do mentiroso – o pai da mentira, que despreza a verdade.
Existe uma relação entre mistério e contradição, que facilmente nos leva a confundir ambos. Não entendemos mistérios. Não podemos entender contradições. O ponto de contato entre ambos os conceitos é seu caráter ininteligível. Os mistérios podem não ser claros para nós agora simplesmente porque nos falta a informação o u a perspectiva para entendê-los. A Bíblia promete que no céu teremos mais luz sobre os mistérios que agora não podemos entender. Mais luz pode resolver os atuais mistérios. Não existe, entretanto, luz suficiente nem no céu nem na Terra para resolver uma óbvia contradição.
Sumário
1. Paradoxo é uma contradição aparente que, quando examinada com mais cuidado, pode apresentar uma solução.
2. Mistério é algo desconhecido para nós no presente, mas que pode ser solucionado.
3. Contradição é uma violação da Lei da não-contradição. É impossível ser resolvida, tanto pelos mortais como pelo próprio Deus, tanto neste mundo como no mundo vindouro.
Autor: R. C. Sproul
Fonte: 1º Caderno Verdades Essenciais da Fé Cristã – R.C.Sproul. Editora Cultura Cristã. Compre este livro em http://www.cep.org.br
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